Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, no dia 21 de março de 2017
Na semana passada o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins é inconstitucional. A entrada em vigor da decisão ainda depende da apreciação pelo STF de recursos que serão apresentados pelo governo, os quais, segundo a imprensa, devem demandar a modulação dos efeitos da decisão, de forma a que a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins entre em vigor apenas a partir de 2018.
Sem entrar no mérito jurídico da questão, o fato é que a decisão do STF altera um modelo consagrado no sistema tributário brasileiro e abre a possibilidade de uma série de outros questionamentos sobre a incidência de tributos sobre tributos. Para alguns analistas, como o dr. Everardo Maciel, a abertura de uma ampla discussão judicial sobre a base de cálculo dos tributos brasileiros pode gerar grande insegurança jurídica.
Adicionalmente, a decisão do STF pode ter uma série de consequências, inclusive algumas não previstas, que são comentadas a seguir.
Por um lado, caso o STF não acate o pedido de modulação e a decisão seja aplicada retroativamente, haveria um enorme custo para o Tesouro que, segundo o anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, poderia chegar a R$ 250 bilhões. O pior é que este seria um ganho indevido das empresas, que fixaram seus preços com base na hipótese de que o ICMS integra a base de cálculo do PIS/Cofins.
Quem pagou o imposto que, segundo o STF, foi indevidamente cobrado foram os consumidores que compraram os produtos tributados, e não as empresas que estão reclamando no Judiciário a devolução dos tributos. Isso fica claro quando consideramos que nas últimas semanas um grande número de empresas ingressou, de forma oportunista, com ações relativas à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins.
Por outro lado, mesmo que o STF acate o pedido do governo e a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins vigore apenas a partir de 2018, haveria uma redução expressiva da arrecadação que, segundo a imprensa, ficaria em torno de R$ 20 bilhões por ano (número que me parece muito baixo).
Neste caso, o governo inevitavelmente teria de encontrar uma forma de aumentar a arrecadação para suprir a perda de receita. A opção mais simples seria elevar a própria alíquota do PIS/Cofins, como, aliás, já foi feito em 2015, quando o governo elevou a alíquota do PIS/Cofins incidente sobre as importações de 9,25% para 11,75% em razão da decisão judicial que entendeu que o ICMS não integrava a base de cálculo do PIS/Cofins nas importações.
Ainda que a elevação da alíquota em 2015 tenha sido exagerada, é compreensível que, no atual cenário de crise fiscal, o governo seja conservador ao calibrar a compensação para a perda de receita decorrente da decisão do STF. Em outras palavras, é mais provável que o governo erre para cima na calibragem das alíquotas que para baixo.
Mesmo que o governo acerte na calibragem das alíquotas – de modo a repor exatamente a perda de arrecadação –, haverá uma mudança na distribuição da carga tributária entre setores. Ou seja, para muitas das empresas que ingressaram com ações judiciais, é possível que o tiro saia pela culatra e que o resultado da decisão do STF seja um aumento, e não uma redução da carga tributária.
Por fim, vale destacar que a exclusão dos tributos sobre bens e serviços da base de cálculo desses mesmos tributos é uma medida positiva do ponto de vista do desenho do sistema tributário, a qual aproxima o Brasil do padrão adotado no resto do mundo. No entanto, o ideal é que essa mudança fosse o resultado de alterações legislativas, e não de decisões judiciais que põem em xeque o desenho do sistema tributário brasileiro.