Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, no dia 07 de março de 2017
Em artigo recente publicado na revista Veja, o dr. Maílson da Nóbrega defendeu a tese de que é preciso rever o modelo do Simples. Ele tem razão.
Há motivos para adotar regimes simplificados de tributação para pequenas e microempresas. O principal deles é que o custo de cumprir todas as obrigações do regime normal de tributação pode ser muito elevado para os pequenos negócios. Isso é especialmente relevante no Brasil, onde o regime normal de tributação é absurdamente complexo, exigindo uma enorme quantidade de trabalho apenas para cumprir as obrigações burocráticas de apuração dos tributos e preenchimento de declarações.
Outro motivo para que empresas de menor porte tenham tratamento diferenciado é que elas competem com negócios informais, que não são tributados. Uma tributação elevada pode tornar competitivamente inviável uma pequena empresa que dispute mercado com empreendimentos informais.
Mas os motivos se encerram aí. No Brasil, nós fomos muito além do que é razoável na concessão de benefícios tributários aos pequenos negócios. A consequência é que criamos um modelo tributário que estimula a abertura de pequenas firmas, mas impede seu crescimento. Isso é péssimo para o crescimento da economia, pois a expansão dos pequenos negócios eficientes (e a eliminação do improdutivos) é um dos principais vetores de aumento da produtividade de um país.
Adicionalmente, o modelo de tributação do Simples, com base apenas no faturamento, é prejudicial à competitividade, por ser cumulativo, e gera grandes distorções distributivas, pois beneficia muito as empresas que operam com alta margem e é ruim para as que operam com baixa margem.
Para entender esse ponto vale comparar duas empresas comerciais tributadas pelo Simples que faturam R$ 300 mil por mês (limite atual do Simples) e têm uma folha de salários de R$ 30 mil mensais. Se uma empresa operar com margem de 50% (ou seja, se o custo dos produtos vendidos corresponder a 50% do faturamento), o seu lucro mensal – que no caso de uma empresa do Simples é a renda pessoal do dono, que não é tributada na pessoa física – será de R$ 82,8 mil. Já se a empresa operar com uma margem de 25% (custo dos produtos vendidos correspondendo a 75% do faturamento), a renda pessoal do proprietário será de apenas R$ 7,8 mil/mês.
Ou seja, o Simples tributa igualmente um empresário que tenha renda pessoal superior a R$ 80 mil e outro cuja renda pessoal seja inferior a R$ 8 mil. Trata-se de uma distorção injustificável. O pior é que a empresa que compete com empreendimentos informais – justamente a que mais necessitaria de apoio – geralmente tende a operar com baixas margens e é a menos beneficiada pelo Simples.
É difícil defender um modelo que prejudica o crescimento do País e tem impactos distributivos negativos. Mas, concordando com o dr. Maílson da Nóbrega, entendo que ainda não é a hora de mudar o Simples. Primeiro precisamos simplificar radicalmente o regime normal de tributação do País para depois rever os regimes simplificados. Em particular, precisamos substituir os cinco tributos gerais sobre bens e serviços atualmente existentes – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – por um bom imposto sobre o valor agregado, a exemplo do que faz a maioria dos países do mundo.
A partir de um regime mais simples de tributação dos bens e serviços, poderíamos adotar outro modelo de tributação das pequenas e microempresas, cuja base fosse o valor agregado (que é proporcional à margem da empresa), e não o faturamento. Seria bom para o crescimento do País e para a justiça distributiva.