Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo,
30 de Maio de 2017
O agravamento da crise política nas últimas semanas tornou o cenário econômico extremamente incerto. Tão incerto que o impacto da crise sobre o crescimento do próximo ano pode variar de muito negativo a ligeiramente positivo. Abaixo apresento minha visão sobre o tema, começando pela economia e passando em seguida à política.
Do ponto de vista econômico, a evolução de algumas variáveis será fundamental para o crescimento do país nos próximos meses.
A primeira destas variáveis é a confiança dos empresários e consumidores, que antes da JBS vinha se recuperando em ritmo lento. O impacto imediato do agravamento da crise política sobre a confiança é negativo. Em um prazo mais longo a confiança pode se deteriorar ainda mais ou até mesmo ter uma trajetória positiva, a depender do cenário político.
A segunda variável são as reformas, principalmente a reforma da previdência. Antes do agravamento da crise, a perspectiva era de aprovação da reforma, ainda que com alguma flexibilização em relação ao texto atual. Com a crise aumentou muito o risco de não aprovação (ou diluição excessiva) da reforma da previdência, embora a aprovação ainda seja possível.
Por fim, a terceira variável relevante é a trajetória das contas públicas. Até duas semanas atrás, o governo vinha trabalhando com um processo muito lento de ajuste das contas públicas, tendo por base a Emenda Constitucional do teto dos gastos (EC 95) e a reforma da previdência. Após a crise, este cenário é bem menos claro.
A perspectiva de um crescimento explosivo da dívida pública teria consequências extremamente negativas para a economia, levando a uma fuga de capitais, forte alta do dólar, aumento dos juros e aprofundamento da recessão. Este não é, no entanto, um cenário inevitável, nem mesmo na hipótese de não aprovação da reforma da previdência. Nesta hipótese, para sinalizar a solvência do setor público, o governo quase que certamente teria de aumentar a carga tributária. Adicionalmente é importante lembrar que a EC 95 tem alguns estabilizadores automáticos no caso de estouro do teto dos gastos, como a vedação ao aumento de despesas de pessoal e ao aumento real do salário mínimo.
Passando à política, cabe analisar alguns cenários possíveis. O primeiro destes cenários seria o prolongamento do mandato do Presidente Temer. A despeito de críticas aos benefícios excessivos concedidos aos delatores da JBS e à forma como se deu o vazamento das gravações, o fato é que Temer perdeu as condições morais de seguir comandando o país. A tentativa de prolongar seu mandato a qualquer custo provavelmente inviabilizaria a aprovação da reforma da previdência e implicaria em concessões políticas com impacto negativo sobre as contas públicas, possivelmente conduzindo ao cenário econômico mais negativo, de fuga de capitais.
O segundo cenário é de solução relativamente rápida da crise política, com a definição de um sucessor via eleição indireta. Neste caso, o desempenho da economia dependeria do comprometimento do sucessor com as reformas e sua capacidade de coordenação política.
Embora os principais partidos da atual base governista sinalizem que pretendem manter a agenda de reformas, se chegarem fragmentados à eleição, é muito provável que os candidatos “rifem” as reformas em troca de apoio político.
Neste contexto, enxergo dois desenlaces possíveis. Um de solução descoordenada, no qual o próximo presidente empurraria a economia com a barriga até 2019, sem estouro, mas com baixo crescimento e provável aumento da carga tributária. Outro, infelizmente menos provável, em que há uma saída coordenada, criando condições para a aprovação de uma boa reforma da previdência. Neste caso, o desempenho econômico em 2018 pode até ser mais positivo que o esperado antes da crise.