Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, 15 de novembro de 2016
A trágica situação do Rio de Janeiro abriu uma importante discussão sobre qual deve ser a solução para a crise fiscal dos Estados e sobre qual deve ser o papel do Governo Federal nesta solução.
É inegável que parte importante dos problemas do Rio de Janeiro (e de outros Estados) deve-se a uma gestão fiscal irresponsável e a distorções estruturais sérias, como aposentadorias precoces de servidores. Neste contexto, uma política que alivie a situação financeira do Estado – sem forçá-lo a rever os excessos no aumento de gastos e na concessão de benefícios tributários – é uma solução ruim, pois cria um incentivo a que os Estados sejam fiscalmente irresponsáveis, contando com uma salvação futura por parte da União.
Também é verdade, contudo, que parte da crise financeira dos Estados se deve à forte retração da economia e das receitas tributárias e que forçar um ajuste apenas através da redução de gastos e do aumento de receitas no curto prazo pode não ser uma saída racional. Cortes excessivos de despesas em áreas sensíveis – como segurança, saúde e educação – podem ampliar a tensão social e política e dificultar a construção de uma saída ordenada para a crise.
Até o presente momento, a forma como a crise fiscal dos Estados vem sendo conduzida é a pior possível. Por um lado, o Governo Federal vem sinalizando que não tem como dar qualquer suporte, dada a gravidade da crise fiscal. Estranhamente, no entanto, o Governo Federal tem exigido dos Estados um ajuste de curto prazo que não está exigindo de si mesmo. Ao contrário, para as contas federais a proposta é de um ajuste duro mas diluído no tempo, nos termos estabelecidos na PEC do teto dos gastos.
Por outro lado, várias medidas descoordenadas de alívio fiscal para os Estados vêm sendo tomadas, tais como a renegociação das dívidas com a União, a sinalização de que os Estados poderão contrair dívidas com base em recebíveis futuros (como royalties) ou a discussão judicial em torno da partilha da receita com a multa sobre a regularização de ativos no exterior. O problema é que estas medidas não necessariamente beneficiam os Estados mais necessitados e, principalmente, não vêm acompanhadas de soluções para os problemas estruturais que comprometem as finanças estaduais.
A solução racional para os desajustes das finanças estaduais é, provavelmente, a mesma que a União está adotando para si. Ou seja, seria preciso estabelecer limites rígidos mas factíveis para o crescimento das despesas estaduais. Estes limites teriam de ser proporcionais à situação de cada Estado: quanto mais desequilibrado o Estado mais duro tem de ser o limite e mais longo o prazo de sua aplicação.
Para alguns Estados esta política pode exigir um aumento temporário do limite de endividamento, exatamente como ocorre para a União (que, se não tivesse possibilidade de se endividar, hoje estaria na mesma situação do Rio de Janeiro). O essencial é garantir uma trajetória sustentável para as dívidas estaduais no longo prazo.
Por fim, e principalmente, é essencial que sejam feitas mudanças estruturais que criem condições para que os Estados se ajustem no longo prazo. Tais mudanças incluem, entre outros: a) uma grande reforma na previdência do setor público; b) a racionalização da gestão das despesas de pessoal, através da regulamentação da possibilidade de redução de jornada com redução proporcional de vencimentos e a redução do escopo da estabilidade dos servidores; c) o fechamento de brechas que têm permitido driblar os limites às despesas de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal; e d) a eliminação progressiva e coordenada dos benefícios da guerra fiscal do ICMS.