Bernard Appy
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 30 de maio de 2016
A produtividade do trabalho no Brasil – ou seja, a quantidade de bens e serviços que, em média, cada trabalhador produz – está praticamente estagnada. Nos últimos 25 anos a produtividade do trabalho brasileira cresceu menos de 1% ao ano, o que é muito pouco para um país ainda relativamente pobre. No mesmo período a produtividade na Coréia do Sul cresceu cerca de 3% ao ano.
O baixo crescimento da produtividade tem consequências extremamente relevantes. Por um lado, o crescimento da renda e do consumo das famílias brasileiras depende essencialmente da evolução da produtividade do trabalho, pois no longo prazo não há como aumentar o consumo sem que aumente a produção por trabalhador.
Por outro lado, o ritmo de crescimento da produtividade também é fundamental para a sustentabilidade das contas públicas. Quanto mais cresce a produtividade (e, consequentemente, o PIB), mais crescem as receitas públicas e menor tende a ser a dívida pública como proporção do PIB. Nesse momento de forte crise fiscal, a definição de medidas voltadas para o aumento da produtividade deveria ser parte central da agenda de longo prazo do governo.
Há vários motivos que explicam o baixo crescimento da produtividade no Brasil. Um dos principais certamente é a péssima qualidade de nosso sistema tributário, que induz uma organização ineficiente da estrutura produtiva e resulta em uma grande quantidade de trabalho improdutivo, como se detalha a seguir.
Custo de conformidade. Por conta da excessiva complexidade de nosso sistema tributário as empresas brasileiras alocam uma enorme quantidade de recursos apenas para apurar o imposto devido e cumprir as obrigações acessórias da legislação tributária. Segundo o Banco Mundial, o Brasil é o campeão mundial em tempo gasto por uma empresa média para apurar e recolher tributos. Segundo estudo da FIESP, as empresas industriais brasileiras alocam 1,2% de seu faturamento (mais de 4% de seu PIB) no cumprimento das obrigações tributárias e trabalhistas. Trata-se claramente de trabalho improdutivo, que poderia estar sendo alocado na produção de bens e serviços a serem consumidos pela população brasileira.
Contencioso. O Brasil também é, provavelmente, o campeão mundial em contencioso tributário. Considerados todos os valores em litígio entre os contribuintes ainda ativos e o fisco – nas esferas administrativa e judicial ou em execução –, o montante do contencioso tributário no país alcança cerca de R$ 3 trilhões (50% do PIB). A disputa em torno deste enorme volume de recursos não apenas gera uma situação de grande insegurança jurídica – prejudicando o investimento –, como exige gastos muito elevados por parte das empresas e do fisco na defesa de seus interesses. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, o contencioso tributário da Petrobras corresponde a quase 50% de seu patrimônio líquido.
Má alocação setorial da produção. Por conta do excesso de benefícios tributários e da profusão de alíquotas diferenciadas e regimes especiais (concedidos sem qualquer análise de custo-
benefício), o sistema tributário brasileiro distorce completamente a estrutura produtiva do país, beneficiando setores pouco competitivos e onerando em excesso setores com maior potencial de crescimento. A consequência é uma estrutura produtiva que prejudica o crescimento do país.
Má alocação geográfica da produção. A guerra fiscal do ICMS e benefícios como a Zona Franca de Manaus fazem com que a estrutura produtiva brasileira esteja muito mal distribuída do ponto de vista geográfico. Boa parte do valor dos incentivos (em alguns casos quase todo o incentivo) é consumida na forma de um alto custo de logística, o que, do ponto de vista do país como um todo, é uma forma de desperdício de recursos. É verdade que para os Estados os incentivos são vistos como uma forma de desenvolvimento regional. O problema é que os incentivos são concedidos para atrair empresas que, por vocação, não se instalariam no Estado. Assim, o Estado “A” concede incentivos para atrair uma empresa cujos custos de produção são menores no Estado “B” e o Estado “B” concede incentivos para atrair uma empresa cujos custos de produção são menores no Estado “A”. Do ponto de vista do país, seria muito mais eficiente se a política de desenvolvimento regional estimulasse os Estados a explorar suas vocações produtivas.
Má organização da produção. De várias formas, o sistema tributário brasileiro leva a produção a se organizar de forma pouco eficiente. Boa parte dos problemas resulta dos regimes simplificados de tributação (lucro presumido e SIMPLES), que estimulam a abertura e a sobrevivência de pequenos negócios improdutivos e dificultam o crescimento das empresas mais eficientes. A título de exemplo, um prestador de serviços que se constitui como sócio de uma empresa de lucro presumido pode ser 30% menos eficiente que um empregado que exerce a mesma atividade e ainda assim ter uma renda (líquida de impostos) mais elevada.
Oneração dos investimentos e das exportações. Por fim, as distorções do sistema tributário brasileiro aumentam o custo dos investimentos e prejudicam a competitividade da produção nacional. Estes impactos costumam merecer destaque na análise dos problemas de nosso sistema tributário, mas são apenas parte (e não a mais importante) das distorções que prejudicam o crescimento do país.
A correção dos problemas do sistema tributário brasileiro – tomando por referência as boas práticas internacionais – certamente contribuiria para acelerar de forma relevante o crescimento do país nos próximos anos (ou décadas). Não se trata de uma agenda politicamente fácil – pois por trás de cada distorção existe um interesse consolidado –, mas trata-se de uma agenda indispensável para uma saída virtuosa da atual crise.