Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, 17 de outubro de 2016
Este artigo tem como objetivo analisar algumas das críticas que vêm sendo feitas à PEC 241, que estabelece que nos próximos dez anos o crescimento das despesas primárias da União não poderá ser superior à inflação.
Antes de tratar das críticas, no entanto, é importante entender como vem sendo conduzida a política fiscal do país nas últimas décadas. Dada a inexistência de metas de longo prazo, o padrão no Brasil tem sido a manutenção de uma estrutura que permitiu um crescimento acelerado das despesas públicas da União, que nos últimos 25 anos cresceram, em média, 6% acima da inflação a cada ano.
Em períodos de crescimento, este aumento dos gastos vinha sendo compensando pelo crescimento proporcional da arrecadação. Mas quando a economia desacelerava explicitava-se uma crise fiscal que, até hoje, foi compensada pelo aumento da carga tributária, que entre 1991 e 2015 saltou de 23,5% do PIB para 32,5% do PIB.
O que a PEC 241 faz é sinalizar que, na atual crise, o ajuste será diferente. Que será feito via contenção do ritmo de aumento de despesas e não via aumento da receita.
O mais importante é que a PEC 241 explicita que existe uma restrição orçamentária que simplesmente não era considerada anteriormente. Ou seja, explicita-se que a gestão da política fiscal exige escolhas. Que alguns gastos só poderão crescer se outros forem reduzidos.
A explicitação da restrição orçamentária de longo prazo é fundamental em um país em que parte importante do crescimento das despesas deveu-se a políticas pouco eficientes ou pouco justificáveis socialmente, como a possibilidade de aposentadoria aos 50 anos de idade (ou menos). Ou seja, a PEC 241 irá exigir que seja feita uma avaliação dos custos e dos benefícios das políticas públicas.
Feita esta introdução, passo a comentar as críticas.
A limitação de despesas vai aprofundar a recessão.
Para alguns críticos a crise fiscal atual deve-se essencialmente à queda das receitas decorrente da desaceleração da economia. O ideal seria ter uma política anticíclica e não uma política de contenção de despesas, a qual irá aprofundar a recessão.
É verdade que, em situações de desaceleração do crescimento, o ideal é gerir a política fiscal de forma anticíclica. O problema é que, no Brasil, parte importante da crise econômica deve-se à perspectiva de uma trajetória insustentável para as contas públicas. Neste cenário, uma política fiscal anticíclica (via aumento da despesa pública ou redução da tributação) provavelmente teria um impacto negativo sobre o crescimento. Ou seja, a contenção das despesas prevista na PEC provavelmente terá um impacto positivo sobre o crescimento nos próximos anos, resultante da melhora de expectativas e da queda dos juros de longo prazo.
Além do mais, a opção do governo não foi por um ajuste fiscal concentrado no curto prazo. Ao contrário, o ritmo de ajuste das contas públicas resultante da manutenção do valor real das despesas primárias da União é bastante longo. Serão necessários dois ou três anos para que o atual déficit primário seja eliminado e um prazo ainda mais longo para que a trajetória de crescimento da dívida pública seja revertida. Talvez a PEC 241 seja o máximo possível em termos de política anticíclica neste momento.
A restrição ao crescimento real de despesas por dez anos é excessiva.
A PEC 241 tem uma dimensão necessária, que é o estabelecimento de um limite para a expansão das despesas públicas. Mas ela também reflete uma opção política, que é fazer todo o ajuste fiscal via contenção de despesas, sem recorrer ao aumento da carga tributária.
O prazo de dez anos é consequência desta opção. Este é o prazo entendido como necessário para que a dívida pública retorne a uma trajetória sustentável. Nada impede, no entanto, que em um eventual cenário de maior crescimento e melhor desempenho da arrecadação este prazo seja reduzido, como o próprio Presidente reconheceu em recente entrevista. É muito mais fácil afrouxar uma medida dura que endurecer uma medida frouxa.
Parte do ajuste deveria ser feita via receita.
Uma crítica à PEC é que ela foca apenas na contenção de despesas, deixando de contemplar alternativas de ajuste, como a revisão de benefícios tributários ou o fechamento de brechas que permitem que pessoas ricas paguem pouco imposto de renda.
É verdade que existe espaço para aumentar a arrecadação com medidas que não prejudicam o crescimento e melhoram a distribuição de renda. No entanto, a necessidade de ajuste fiscal é premente e a discussão dos ajustes na estrutura tributária é complexa técnica e politicamente, o que torna compreensível a opção pela PEC 241.
Isto não significa que a agenda de correção das distorções tributárias deva ser abandonada. Se esta correção levar a um aumento de receita então talvez haja espaço para antecipar o prazo de dez anos da PEC 241, como mencionado anteriormente.
Para finalizar, embora esta não seja uma crítica, há uma questão que ajuda a entender a função da PEC 241:
A PEC 241 é o desenho ideal para a política fiscal de longo prazo?
A resposta é não. A política fiscal ideal é aquela que permite decisões informadas sobre os custos, benefícios e impacto sobre a trajetória fiscal de longo prazo de diversas alternativas, tanto pelo lado das despesas quanto pelo lado das receitas. Este desenho de política fiscal depende, no entanto, de instrumentos que não possuímos hoje no Brasil, como uma Instituição Fiscal Independente e mecanismos eficazes de avaliação das políticas públicas.
O que a PEC 241 faz é dar um primeiro passo ao explicitar que existe uma restrição orçamentária e sinalizar o comprometimento do governo com uma trajetória fiscal sustentável. Não é o ideal, mas é o possível neste momento. E comparado com o modelo de gestão fiscal das últimas décadas é um enorme avanço.