Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, 29 de novembro de 2016
No debate sobre políticas públicas, a defesa de interesses específicos (corporativos, empresariais ou mesmo relacionados a determinadas políticas sociais) costuma ser mais bem-sucedida que a defesa do interesse difuso da população, que, no frigir dos ovos, é quem paga a conta. Obviamente esta não é uma característica apenas do Brasil. Mas é provável que o problema da defesa do interesse difuso em detrimento do interesse localizado seja mais agudo no Brasil que na maioria dos outros países.
Não pretendo – e sequer tenho competência para tanto – analisar todas as causas deste problema. Certamente há razões sociológicas e questões relativas ao modelo de gestão política do país que são fundamentais para entendê-lo.
Meu enfoque é mais restrito. Uma das razões pelas quais não conseguimos explicitar os custos difusos de medidas que beneficiam grupos específicos é porque não temos base técnica para fazê-lo. Não há, no Brasil, uma estrutura minimamente desenvolvida de avaliação dos custos e benefícios de políticas públicas que oriente não apenas o debate político, mas também a discussão da sociedade sobre as alternativas possíveis.
Esta deficiência não apenas facilita a atuação de grupos de pressão, como transforma o debate nacional em uma disputa de palavras de ordem. Quando se discute uma medida que amplia os recursos para a saúde, ou você apoia a medida e é “a favor da saúde” ou você é “contra a saúde”. Não há espaço para comparar a saúde com outras prioridades ou para discutir se há formas de melhorar a qualidade dos serviços de saúde sem maiores gastos, aperfeiçoando a gestão e reduzindo desperdícios.
Neste contexto, a PEC do teto dos gastos é um avanço importante, pois explicita a restrição orçamentária e exigirá a definição de prioridades e, provavelmente, estimulará a busca de alternativas de melhora da qualidade dos serviços públicos sem aumento de gastos. Mas a própria PEC ainda não é o modelo ideal de política pública, pois parte do pressuposto (mais ideológico que técnico) de que a melhor forma de fazer o ajuste fiscal no Brasil é apenas via limitação da expansão dos gastos, sem avaliar os custos e benefícios de iniciativas complementares, como uma elevação temporária de tributos ou a eliminação de benefícios fiscais.
Há várias causas para a precariedade das avaliações de custos e benefícios das políticas públicas no Brasil. Certamente parte importante do problema é que não há interesse da maioria dos políticos em avaliações técnicas que constranjam as suas decisões.
Mas a responsabilidade é muito mais ampla, e alcança os economistas e gestores públicos (inclusive eu, que trabalhei seis anos e meio no Ministério da Fazenda e pouco fiz para avançar nesta agenda). Por muitos anos, por exemplo, a maioria dos economistas avaliou a política fiscal apenas pelo cumprimento da meta de resultado primário do ano, sem olhar as inconsistências fiscais de longo prazo que já surgiam, como o forte e recorrente crescimento das despesas primárias reais.
A imprensa também pouco contribui para uma agenda de melhora da qualidade das políticas públicas. Mais vale uma manchete bombástica que uma análise de custos e benefícios que ajude a população a entender as opções e pressione os políticos a fazerem escolhas fundamentadas.
Obviamente há exceções entre os economistas, jornalistas e funcionários públicos, e até entre os políticos. Mas no geral, ainda somos amadores no trabalho de avaliação e divulgação do custo e benefício das políticas públicas.
O que precisamos, no Brasil, é sermos mais profissionais no trato das políticas públicas, assim como as empresas bem-sucedidas o são no trato dos seus negócios.