Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, 27 de dezembro de 2016
Este é o segundo de três artigos (publicados a cada duas semanas) que têm como objetivo discutir os impactos distributivos do sistema tributário brasileiro. A discussão sobre este tema muitas vezes é feita de forma segmentada e parcial, o que acaba criando alguns mitos, que dificultam a busca de soluções racionais. Neste segundo artigo avalio os mitos relativos à tributação da renda. No anterior avaliei dois mitos relativos à tributação do consumo. No próximo apresentarei algumas propostas.
Mito 3: É preciso tributar mais os lucros distribuídos
No período recente vêm ganhando destaque sugestões de tributar mais a distribuição de lucros no Brasil, seja pela extinção do regime de juros sobre o capital próprio (JCP), seja pela tributação, na pessoa física, dos dividendos distribuídos (que, no Brasil, são isentos). O JCP é um regime que permite que parte do lucro de uma empresa seja deduzido como despesa (não pagando imposto de renda na empresa) e distribuído, pagando imposto de renda exclusivamente na fonte à alíquota de 15%.
À primeira vista estas sugestões parecem fazer sentido. Poucos países têm um regime como o JCP e, na maior parte dos países do mundo, o lucro das corporações é tributado na empresa e novamente, na pessoa física, quando o lucro é distribuído. Quando somada a tributação na empresa e na distribuição, a alíquota observada nos países desenvolvidos é superior à aplicada no Brasil.
Na prática não é bem assim. O JCP é um regime que busca corrigir uma distorção, que é a menor tributação do capital de terceiros (dívida) que do capital próprio (equity), o que induz um endividamento excessivo das empresas. Ou seja, o modelo brasileiro é melhor que o dos outros países (que, aos poucos, vêm adotando regimes semelhantes), ainda que possa ser aperfeiçoado.
Por outro lado, não se devem comparar alíquotas nominais incidentes sobre o lucro entre países com inflação alta (como o Brasil) e países com inflação baixa, pois parte do lucro nominal das empresas apenas repõe o valor do capital corroído pela inflação. Quando comparamos o imposto de renda cobrado sobre o lucro real (descontada a inflação), considerando a tributação na empresa e na distribuição, constatamos que a tributação no Brasil não é muito diferente da observada no resto do mundo.
Tributar em excesso o lucro (ou, de forma geral, os rendimentos do capital) pode ser um erro em um país com baixa taxa de poupança e de investimento, como é o caso do Brasil.
Mito 4: É preciso aumentar a alíquota marginal do IRPF
Outraa sugestão bastante comum para tornar o sistema tributário brasileiro mais progressivo seria aumentar a alíquota marginal (mais elevada) do imposto de renda das pessoas físicas (IRPF). De fato, a alíquota marginal do IRPF no Brasil (de 27,5%) é baixa comparativamente à
vigente na maior parte dos demais países. A título de exemplo, na maioria dos países da Europa Ocidental a alíquota do IRPF supera 40%.
Tal medida não alcançaria, no entanto, as pessoas mais ricas do Brasil. Segundo dados da Receita Federal relativos ao ano de 2014, para as pessoas cuja renda total era superior a 160 salários mínimos por mês, apenas 11,5% da renda correspondia a rendimentos tributados pelo IRPF. O grosso da renda dessas pessoas (70,1%) era constituído por rendimentos isentos e 18,4% por rendimentos tributados exclusivamente na fonte.
Ou seja, as pessoas mais ricas do Brasil não pagam (ou pagam muito pouco) imposto de renda na pessoa física. Antes de propor a elevação da alíquota do IRPF seria necessário corrigir as distorções que permitem que pessoas de altíssima renda não sejam tributadas na pessoa física. Tratarei deste tema no próximo artigo.