Bernard Appy[1]
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo,
no dia 25 de julho de 2017
Um tema que tem ganhado destaque no debate recente é a baixa tributação da renda das pessoas mais ricas do Brasil. De fato, enquanto para os 21,4 milhões de declarantes do IRPF em 2016 com renda mensal até 10 salários mínimos (SM) 87% dos rendimentos foram tributáveis (na declaração ou na fonte) e 13% isentos, para os 75 mil declarantes com renda mensal superior a 160 SM, 69% corresponderam rendimentos isentos.
O grosso dos rendimentos isentos das pessoas de alta renda são lucros e dividendos recebidos por acionistas ou sócios de empresas, cujo valor foi de R$ 334 bilhões em 2015.
Tais dados dão a impressão de que, por conta da isenção dos lucros e dividendos distribuídos, a renda das pessoas de alta renda é pouco tributada no Brasil. A realidade, no entanto, é mais complexa. O Brasil optou por um modelo em que os lucros são tributados exclusivamente nas empresas, a uma alíquota relativamente elevada (34%), sendo isentos quando de sua distribuição.
Esse modelo é complementado pelo regime de juros sobre o capital próprio (JCP), que permite que um valor limitado (correspondente à aplicação da TJLP sobre o patrimônio líquido) seja deduzido do lucro tributável na empresa e tributado exclusivamente na fonte, à alíquota de 15%, quando de sua distribuição. O valor de JCP recebido pelos declarantes do IRPF (R$ 12 bilhões) é, no entanto, relativamente pequeno quando comparado aos lucros e dividendos distribuídos.
O modelo brasileiro de tributação dos lucros tem fundamentos. Por um lado, a isenção na distribuição dos lucros evita um problema que é o estímulo à retenção de lucro nas empresas, que prejudica a alocação eficiente do capital (principalmente quando as oportunidades de crescimento estão nas novas empresas inovadoras e não nas velhas empresas). Por outro lado, o regime de JCP evita outro problema, que é a menor tributação do capital de terceiros (pois os juros são dedutíveis do lucro tributável na empresa), relativamente ao capital próprio. Na ausência de um mecanismo como o JCP, as empresas tendem a se sobre-endividar, aumentando o risco de insolvência em situações de stress financeiro.
Isso não significa que o modelo brasileiro não tenha problemas. Em primeiro lugar, embora a alíquota nominal de 34% seja elevada, para a grande maioria das empresas a alíquota efetiva é bem inferior, seja por conta de brechas na legislação doméstica, seja por conta da possibilidade de planejamento em operações feitas com outros países.
Em segundo lugar, parte importante dos lucros distribuídos no Brasil provêm de pequenas e médias empresas dos regimes do lucro presumido e do SIMPLES, nas quais o lucro é arbitrado como uma porcentagem da receita. Em muitos casos, o lucro arbitrado é muito inferior à rentabilidade efetiva das empresas, o que resulta em subtributação.
Alguns analistas vêm propondo resolver estes problemas através da tributação da distribuição de lucros e dividendos e pela extinção do JCP. Esta não é, no entanto, uma boa solução para os problemas da tributação da renda no Brasil, pois tais medidas eliminariam precisamente as duas características positivas do nosso modelo.
O que o Brasil precisa é fechar brechas que permitem a redução do lucro tributável, diminuindo simultaneamente a alíquota incidente sobre o lucro empresarial (como vêm fazendo muitos países), de forma a tornar o investimento no país mais competitivo. Neste cenário, seria possível discutir a introdução de alguma tributação do lucro distribuído, idealmente isentando a parcela reinvestida em outros negócios e tributando apenas a parcela destinada ao consumo dos acionistas e sócios das empresas.
Por fim, e principalmente, é fundamental rever o modelo brasileiro de tributação dos pequenos negócios, o qual permite que a renda dos sócios não seja tributada nem na empresa nem na pessoa física. É importante distinguir o estímulo ao empreendedorismo, que deve ser reforçado, da desoneração da renda pessoal (muitas vezes elevada) dos sócios das empresas.
[1] As opiniões do autor não refletem necessariamente o posicionamento do CCiF.