Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo,
27 de Junho de 2017
Discussões sobre a reforma da previdência nunca são fáceis. Ninguém quer se aposentar mais tarde e, em alguns casos, com um valor menor. Mas a verdade é que, no Brasil, a reforma da previdência é indispensável.
O custo da previdência social brasileira em 2016 foi de 13,1% do PIB: 8,1% do PIB relativos ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS – regime do setor privado) e 5% do PIB relativos aos Regimes Próprios de Previdência (RPPS) da União, estados e municípios. Já a arrecadação de contribuições para a previdência foi de “apenas” 8,2% do PIB, sendo 5,7% do PIB relativos ao RGPS e 2,5% do PIB relativos aos RPPS. O resultado foi um déficit de 4,9% do PIB. Adicionalmente, o país gastou 0,8% do PIB com benefícios assistenciais para idosos e deficientes (BPC/Loas).
O elevado dispêndio com benefícios previdenciários reduz muito o espaço para outras despesas públicas. No caso da União, por exemplo, as despesas com benefícios previdenciários (RGPS e RPPS) e assistenciais (BPC/Loas) correspondem a 56% de todas as despesas primárias e 63% de toda a receita primária (líquida de transferências para estados e municípios) projetadas para 2017.
Tais números já seriam preocupantes em um país envelhecido. Mas são ainda mais preocupantes em um país ainda jovem. No Brasil, a razão de dependência de idosos (relação entre a população com 65 anos ou mais relativamente à população entre 20 e 64 anos) é de 13%. Tomando por base o padrão mundial, países com esse perfil etário despendem cerca de 4% do PIB com previdência. Ou seja, se as despesas previdenciárias do Brasil seguissem o padrão mundial, nosso país deveria ter um grande superávit nas contas da previdência, e não um grande déficit.
Para agravar, a população brasileira está envelhecendo muito rapidamente, em função da enorme queda da taxa de natalidade e do aumento da expectativa de sobrevida dos idosos. A razão de dependência de idosos deverá saltar dos atuais 13% para mais de 45% em 2060. Mantidas as regras atuais, o valor dos benefícios do RGPS deverá passar dos atuais 8,1% do PIB para 17,2% do PIB em 2060 (e há projeções piores) e o valor dos benefícios dos RPPS também deve crescer muito.
Se nada for feito, o crescimento explosivo dos benefícios previdenciários irá exigir um enorme aumento da carga tributária e, ainda assim, irá comprimir o espaço para todas as demais despesas públicas, como saúde, educação, segurança e infraestrutura. Trata-se de um cenário em que a apropriação crescente pelo setor público da renda gerada pelo setor privado e a incapacidade do governo em prover outros serviços tende a restringir fortemente o crescimento do país.
Algumas das distorções do sistema previdenciário brasileiro já foram corrigidas. Mas outras ainda persistem, sendo as principais a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição em idade muito baixa (em média 53 anos para as mulheres e 56 para os homens),
a grande diferenciação nos critérios para concessão de aposentadorias entre mulheres e homens, a integralidade das pensões por morte (independentemente do número de dependentes), regras ainda muito generosas para a aposentadoria dos servidores públicos e a concessão de benefícios assistenciais (não contributivos) equivalentes aos benefícios previdenciários (contributivos).
A proposta de reforma previdenciária em discussão no Congresso, ainda que não seja a ideal, corrige várias dessas distorções e avança no sentido correto de reduzir o ritmo de crescimento das despesas previdenciárias. Pode ser impopular, mas é justificável socialmente (como procurei mostrar em meus artigos de 18 de abril e 2 de maio) e, sobretudo, é indispensável para que o país possa voltar a crescer de forma sustentada.