Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo,
11 de julho de 2017
Nas últimas semanas têm surgido várias notícias sobre a falta de recursos para atividades básicas do governo federal, tais como a emissão de passaportes pela Polícia Federal e as operações básicas da Polícia Rodoviária Federal. O que à primeira vista aparece como uma situação de falta de recursos – e, para alguns, de exagero na atual política de contenção de despesas – é na verdade um exemplo claro da disfuncionalidade do orçamento federal e da urgência de políticas que permitam a redução das despesas obrigatórias, em particular da reforma da previdência.
Embora eu não conheça detalhes da situação atual, do tempo em que trabalhei no Ministério da Fazenda sei que, em situações de contingenciamento, é muito comum que os órgãos de governo reajam alocando os recursos disponíveis em projetos e atividades menos essenciais, deixando uma dotação insuficiente para aqueles essenciais. Trata-se de uma estratégia de inversão de prioridades, na qual a insuficiência de verbas para atividades essenciais é usada para conseguir mais recursos. É possível que a atual gritaria em torno da falta de verbas para atividades importantes reflita uma situação semelhante.
Mas a inversão de prioridades, se de fato estiver ocorrendo, é um problema menor. O problema de fundo é a composição do orçamento federal. Do total de R$ 1,32 trilhões de despesas primárias previstas no orçamento de 2017 (antes do contingenciamento), R$ 1,17 trilhões correspondem a despesas obrigatórias. Dentre estas despesas destacam-se os benefícios previdenciários para o setor privado (R$ 560 bilhões), e as despesas de pessoal (R$ 283 bilhões, dos quais R$ 111 bilhões – quase 40% – relativos a aposentadorias e pensões).
O montante de despesas discricionárias (não obrigatórias) previstas no orçamento era de R$ 148 bilhões, dos quais R$ 39 bilhões foram contingenciados. Ou seja, o contingenciamento de R$ 39 bilhões, que muitos consideram excessivo, corresponde a 26% das despesas discricionárias, mas a apenas 3% das despesas totais do orçamento. É óbvio que o problema do orçamento brasileiro está na dimensão e na rigidez das despesas obrigatórias, entre as quais se destacam os benefícios previdenciários e as despesas de pessoal.
Não há solução racional possível para o problema do orçamento brasileiro que não passe por enfrentar o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias. Obviamente a reforma da previdência é o item principal desta agenda, mas também é essencial rever a rigidez das despesas de pessoal. Esta é uma agenda ainda pouco discutida no Brasil, mas que precisa ser enfrentada.
É fácil reclamar da falta de recursos sem querer discutir as causas do problema. No caso da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal, por exemplo, se discute a falta de recursos, mas não se discute a composição do orçamento. Segundo dados do SIGA Brasil, em 2016 cerca de 87% das despesas dessas entidades foi destinado ao pagamento de despesas de pessoal, as quais não podem ser contingenciadas ou reduzidas. Numa gestão orçamentária mais equilibrada o ideal seria alocar mais recursos para a aquisição de equipamentos e o financiamento de atividades e menos para o pagamento de pessoal ativo e inativo.
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Aliás, policiais federais possuem regras de aposentadoria ainda mais benéficas que as dos demais servidores públicos. Segundo a Lei Complementar 51/1985, os servidores públicos policiais podem se aposentar com proventos integrais com 30 anos de contribuição e 20 de exercício no cargo, valores reduzidos em cinco anos no caso das mulheres. Se é para discutir a falta de recursos no orçamento da polícia, por que não podemos discutir também os critérios de aposentadoria dos policiais?
O Brasil tem de deixar de olhar para os problemas pontuais do orçamento e passar a ver o orçamento como um todo. Ao fazê-lo descobrirá que não faltam recursos. O que falta é uma definição clara de prioridades e uma gestão orçamentária mais eficiente.