Bernard Appy
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 12/09/2016
Há hoje no Brasil um consenso sobre as distorções e os efeitos perversos para a economia dos tributos sobre bens e serviços: ICMS, PIS/Cofins, IPI e ISS. Estas distorções se manifestam na forma de um elevado custo de compliance, de um altíssimo nível de litigiosidade entre os contribuintes e o fisco, de uma guerra fiscal ilegal, irracional e improdutiva, de prejuízo à competitividade da produção nacional e, principalmente, de grandes distorções alocativas, que levam as empresas brasileiras a se organizarem de forma ineficiente. Também há consenso de que os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são os mais sérios, embora o IPI e o ISS apresentem igualmente distorções.
Há, no entanto, menos consenso sobre qual a melhor forma de superar estes problemas. Nos últimos anos, o Governo Federal vem buscando aprovar uma reforma do ICMS, ao mesmo tempo em que elaborou uma proposta de mudança na legislação do PIS/Cofins. Embora bem-intencionadas, estas propostas deixam muito a desejar em termos de alcance e impactos, como se discute a seguir. Para efetivamente melhorar a qualidade do sistema tributário brasileiro seria preciso adotar as melhores práticas internacionais de tributação de bens e serviços, consubstanciadas no modelo do imposto sobre o valor agregado (IVA).
ICMS
De 2013 ao início de 2016, o Ministério da Fazenda buscou aprovar de uma reforma do ICMS baseada na redução das alíquotas interestaduais do imposto para 4% – medida que tiraria força da guerra fiscal – e na convalidação dos benefícios concedidos ilegalmente. A mudança seria complementada pela criação de um fundo de compensação para os Estados que perdessem receitas e de um fundo de desenvolvimento regional. Esta linha de atuação recebeu apoio de 21 dos 27 Estados reunidos no Confaz, que em 2014 votaram a favor do Convênio ICMS nº 70.
Há alguns anos, eu também achava que esta reforma parcial do ICMS seria uma boa solução, embora não a ideal. Hoje não acho mais. Por vários motivos, o modelo proposto provavelmente gerará mais problemas que soluções.
Em primeiro lugar, a redução das alíquotas interestaduais do ICMS, sem que se institua um mecanismo eficaz de ressarcimento do crédito do imposto, levará as empresas com grande volume de vendas interestaduais a acumularem saldos credores cuja recuperação é extremamente difícil junto aos fiscos estaduais.
Em segundo lugar, a redução das alíquotas interestaduais do ICMS levará a um aumento expressivo da carga tributária (da ordem de algumas dezenas de bilhões de reais) porque o imposto não cobrado no Estado de origem das mercadorias por conta dos benefícios da guerra fiscal passará a ser recolhido no Estado de destino.
Em terceiro lugar, o acordo consolidado no Convênio 70/14 prevê uma série de exceções à alíquota interestadual de 4%, gerando grandes distorções e tornando o ICMS disfuncional.
Em quarto lugar, e por fim, a proposta tende a gerar um desequilíbrio importante entre os Estados ricos e pobres, pois os benefícios dos Estados pobres perderão força com a redução das alíquotas interestaduais, enquanto que os benefícios internos (usualmente concedidos pelos Estados ricos) serão convalidados e mantidos integralmente.
PIS/Cofins
No que diz respeito ao PIS/Cofins, o Ministério da Fazenda divulgou, em 2015, as linhas gerais de um projeto de lei (ainda não divulgado), que busca eliminar as principais distorções destes tributos, que são a sobreposição dos regimes não-cumulativo e cumulativo e o sistema de “crédito físico”, pelo qual apenas bens e serviços incorporados ao produto final geram crédito. Pela proposta, o regime não-cumulativo seria estendido a todas as operações e seria adotado o sistema de “crédito financeiro”, pelo qual todos os bens e serviços necessários à atividade empresarial geram crédito.
Embora a proposta represente uma melhora em relação ao atual modelo – inclusive resolvendo o principal motivo de litígio relativo ao PIS/Cofins, que é a definição do que gera crédito no regime não-cumulativo –, ela ainda fica muito aquém do desenho de um bom IVA.
Por um lado, a proposta do Governo prevê três alíquotas para o novo PIS/Cofins (básica, reduzida e intermediária), enquanto que as melhores práticas internacionais recomendam que o IVA tenha apenas uma alíquota. Além de a multiplicidade de alíquotas gerar distorções, é certo que durante a tramitação do projeto no Congresso haverá grande pressão para a inclusão de outros bens e serviços nas alíquotas reduzidas. Os prejudicados serão os setores que não conseguirem se encaixar nas alíquotas reduzidas, que terão de arcar com uma carga tributária ainda mais elevada para manter a arrecadação.
Por outro lado, a mudança proposta mantém a incidência de PIS/Cofins apenas sobre as empresas, enquanto que um bom IVA incide sobre a atividade econômica, qualquer que seja a forma em que esteja organizada. Esta característica, além de gerar distorções, impede que o modelo do PIS/Cofins sirva como referência para uma posterior reforma do ICMS e do ISS, que também incidem sobre pessoas físicas.
IVA
Frente às distorções (no caso do ICMS) e ao alcance limitado (no caso do PIS/Cofins) das propostas atualmente em discussão, certamente seria melhor adotar outro modelo de reforma, que busque aproximar o máximo a tributação de bens e serviços no Brasil de um bom IVA. Uma proposta neste sentido, contemplando um modelo com alíquota única e transição longa, foi apresentada em artigo publicado neste espaço (“Nossa Reforma Tributária”) em 4 de julho passado.
Os benefícios de uma mudança mais abrangente do modelo tributário brasileiro são muito grandes e seu custo político pode não ser muito maior que o das reformas parciais que o governo vem discutindo nos últimos anos.