O Brasil precisa de urgente reforma da qualidade do sistema tributário orientada para o desenvolvimento. Obra de infraestrutura institucional, que é fundamental para a indústria produzir, o País exportar e a economia prosperar. É nossa porque cabe a nós, brasileiros, decidir que sistema tributário queremos para o País que sonhamos.
Por Eurico de Santi, Isaías Coelho, Nelson Machado e Bernard Appy
Os vários tributos que no Brasil oneram o consumo, a renda, a folha e o patrimônio são ruins para as empresas, para o cidadão e mesmo para o Fisco.
Os tributos sobre a renda e sobre a folha, com inúmeros regimes jurídicos distintos, prejudicam o emprego, o salário e a equidade. A tributação sobre o patrimônio merece ser revista em conformidade com o debate informado sobre a função da propriedade, sinalizando segurança jurídica e certeza nas relações intergeracionais.
Os tributos que incidem sobre o consumo de bens e serviços (ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS) são complexos, descoordenados, cumulativos, repletos de obrigações acessórias e geradores de enorme contencioso. Tal situação degrada o ambiente de negócios, implica perda da competitividade nacional e dificulta o controle político da carga tributária. A falta de transparência acaba por iludir a percepção do cidadão sobre os tributos embutidos nos preços dos bens e serviços.
O Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) entende que todo o sistema tributário brasileiro carece de reforma, mas que a tributação sobre o consumo é a mais disfuncional e a que mais urgentemente requer simplificação. O CCiF entende que a melhor forma de atingir este objetivo seria pela criação de dois novos tributos baseados no modelo internacionalmente consolidado do imposto sobre o valor adicionado (IVA), que substituiriam gradualmente o PIS/Cofins, o ICMS e o ISS.
A Contribuição Geral sobre o Consumo (CGC), federal, substituiria o PIS/Cofins. O Imposto Geral sobre o Consumo (IGC), subnacional, substituiria o ICMS e o ISS. A legislação dos dois tributos seria a mesma, o que significa que, para os contribuintes, seria como se houvesse apenas um novo tributo. O IPI seria transformado em um imposto seletivo, com incidência sobre poucos produtos com externalidades negativas, como fumo, bebidas e combustíveis.
A estratégia de novo tributo modelar se justifica pela grande contaminação dos tributos atuais por isenções, incentivos e regimes especiais. Possibilita, também, fazer a transição em um prazo relativamente longo, permitindo que as empresas se ajustem e que as políticas de incentivo sejam redesenhadas e se apoiem em instrumentos mais apropriados.
O objetivo final é a uniformização da legislação nacional da tributação sobre o consumo, criando novo cenário de futuro para o empreendedorismo no Brasil e mantendo a arrecadação constante.
A função da tributação moderna é arrecadar, não a de distribuir favores. Os incentivos fiscais e regimes especiais devem ser eliminados, abrindo espaço para a adoção de alíquotas uniformes e mais moderadas. Sem privilégios, a tributação se torna mais justa e onde todos pagam, todos pagam menos.
No modelo proposto, a não cumulativas é plena: o crédito é financeiro e irrestrito. Todo o tributo pago pela empresa na aquisição de bens e serviços constitui seu crédito, aplicável contra o tributo que deve pagar sobre os bens e serviços vendidos. Extingue-se a anomalia do “crédito físico” e garante devolução imediata dos créditos acumulados, qualquer que seja a sua origem.
A CGC e o IGC devem incidir sobre base ampla, alcançando o universo de bens e serviços e todas as formas de organização da atividade econômica.
As alíquotas da CGC e do IGC devem ser as mesmas para todos os bens e serviços. A tributação não deve depender da classificação de bens e serviços. A alíquota única é essencial para o empoderamento do cidadão, como contribuinte efetivo e protagonista do debate político sobre carga tributária.
A CGC e o IGC devem desonerar completamente as exportações de bens e serviços, garantindo-se a manutenção integral do crédito (tributação no destino). Tampouco devem onerar o investimento. O investimento deve gerar crédito integral e, caso não haja débitos suficientes, o crédito acumulado deve ser imediatamente ressarcido.
A base de cálculo dos novos tributos deve ser a receita líquida de impostos. O modelo proposto não admite a chamada tributação “por dentro”, prática obscura de fazer o imposto integrar a própria base de cálculo.
Propõe-se que a CGC seja criada com uma alíquota inicial de 1%, reduzindo-se compensatoriamente as alíquotas do PIS/Cofins. A vigência inicial da CGC com alíquota de 1%, durante dois anos, permitiria avaliar adequadamente o funcionamento deste tributo e estimar seu potencial de arrecadação. Após este período de teste, a alíquota da CGC seria elevada progressivamente e a do PIS/Cofins, reduzida progressivamente, completando-se a transição em 5 anos. A transição do ICMS e do ISS para o IGC também se iniciaria após este período de teste, sendo feita em 10 anos.
A carga tributária seria mantida constante durante toda a transição, com o aumento da CGC e do IGC correspondendo exatamente à redução do PIS/Cofins e do ICMS e ISS. A segurança jurídica para os contribuintes e para o Fisco exige um período longo de transição.
O modelo proposto é simples, neutro, transparente e isonômico. A introdução desse novo paradigma traria grande avanço à tributação do consumo. Reduz a insegurança jurídica. Elimina a cumulatividade. Acaba com as práticas de cálculos “por dentro” e retenção indevida de créditos acumulados. Incentiva a livre concorrência e melhora o ambiente de negócios, promovendo o exercício da cidadania fiscal rumo à responsabilidade dos governantes negociada, democraticamente, nas urnas.
É jogo do tipo ganha-ganha, construindo o futuro do Brasil.
Artigo publicado no Estadão em 4/7/2016. Para baixar uma versão em formato PDF, clique aqui.