Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo,
24 de janeiro de 2017
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, que estabelece limites para a expansão das despesas federais, cria-se a necessidade de mudar a forma como é conduzida a política fiscal do país.
Com o estabelecimento de um teto para as despesas primárias da União pelos próximos dez anos, passa a ser essencial discutir como este espaço fiscal será ocupado pelas diversas categorias de despesas. Ou seja, é preciso ter um cenário fiscal de longo prazo, que sirva de referência para as decisões que afetam as despesas públicas. O risco de não o fazer é ter um ajuste fiscal de péssima qualidade.
Explico melhor. A EC 95 estabelece regras de ajuste caso o teto dos gastos seja excedido, mas não possui mecanismos de controle prévio de adequação de medidas que ampliam despesas a esse teto. Neste contexto, há um risco, não desprezível, de que sejam aprovadas leis que ampliam despesas obrigatórias – como gastos de pessoal – que acabem consumindo todo o espaço disponível para a ampliação das despesas. Caso isso ocorra, para evitar que o teto dos gastos seja excedido, o governo teria de cortar muito despesas não obrigatórias, como investimentos públicos, o que é muito ruim para o crescimento do país.
Para evitar que esta situação ocorra, o ideal seria estabelecer limites para as principais categorias de despesas obrigatórias para todo o período de dez anos, de forma a preservar um espaço mínimo para despesas não obrigatórias essenciais, como os investimentos ou mesmo as despesas mínimas de custeio da máquina pública. A aprovação de qualquer projeto que amplie despesa obrigatória deveria estar condicionada a sua compatibilidade com os limites estabelecidos.
Tal mudança no regime fiscal pressupõe a aprovação de uma lei complementar. No entanto, caso esta lei complementar não seja aprovada, seria necessário, pelo menos, que fossem divulgados cenários fiscais de longo prazo, que servissem de referência para a avaliação do impacto de projetos que ampliam despesas obrigatórias. Estes cenários deveriam apresentar a trajetória de crescimento das despesas obrigatórias (e o espaço fiscal para as despesas não obrigatórias), mantidas as regras atuais.
A EC 95 tem um dispositivo prevendo que qualquer proposição legislativa que eleve despesa obrigatória deverá ser acompanhada de estimativa de seu impacto fiscal. Se não houver um cenário de referência, no entanto, não será possível saber se este impacto é compatível com a preservação de um espaço fiscal mínimo para as despesas não obrigatórias.
Cabe definir quem seria responsável pela elaboração do cenário fiscal de referência. Uma opção seria que isto fosse feito pelo Tesouro Nacional. Outra opção seria que esta tarefa fosse assumida pela recém-criada Instituição Fiscal Independente, do Senado Federal. Talvez seja desejável ter os dois cenários, que poderiam ser contrapostos de forma a avaliar se as hipóteses quanto ao crescimento das despesas obrigatórias são consistentes entre si.
Ainda que esta proposta tenha um caráter eminentemente técnico, a realidade é que na hora em que se começar a discutir a política fiscal brasileira a partir de um horizonte de longo prazo, haverá uma mudança na forma de avaliar as finanças públicas no país. Ficará claro que há um trade-off entre as diversas alternativas de despesas. Que só é possível elevar um gasto se outro for reduzido. Que só é possível preservar despesas não obrigatórias importantes se for contido o crescimento das despesas obrigatórias. A EC 95 foi um primeiro (e fundamental) passo nesta direção. Falta completar a mudança.