Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, 01 de novembro de 2016
Eu não costumo escrever sobre política monetária. Não sou especialista no assunto. Aliás, acho muito chata a discussão baseada no conceito de “uma meta” (inflação) e “um instrumento” (a taxa de juros de curto prazo), ainda que com vários canais de transmissão. Mas hoje vou escrever.
É verdade que a inflação brasileira ainda está alta. Mas também é verdade que a inflação está em queda e que a queda da inflação elevou a taxa real de juros. Principalmente, há consenso que a taxa real de juros atual está muito acima da taxa real de juros neutra, que é aquela que, no longo prazo, garante a expansão equilibrada da demanda agregada e da oferta agregada, sem gerar pressões inflacionárias ou deflacionárias.
Enquanto a maioria dos analistas estima a taxa real de juros neutra no Brasil em torno de 5% a.a. (altíssima para padrões internacionais), a atual taxa real de juros (meta Selic deflacionada pela inflação projetada para os próximos doze meses) está em 8,6%. Mesmo a taxa real de juros projetada pelo mercado para o final de 2017 (6,2%) ainda é superior à taxa neutra.
Ainda que a redução da inflação exija que a taxa de juros fique acima da taxa neutra, a calibragem desta diferença é importante, principalmente em um momento em que a economia está no fundo do poço. Adicionalmente, é muito provável que a taxa real de juros neutra venha a cair no Brasil por conta da política de limitação do crescimento das despesas públicas iniciada com a PEC 241.
O custo social e econômico de um excesso de conservadorismo na gestão da política monetária neste momento pode ser muito elevado. Este fato é especialmente relevante em um contexto em que a retomada do crescimento da demanda – essencial para a saída da crise – provavelmente dependerá muito da expansão do crédito, já que não há espaço para uma política fiscal expansionista e o setor externo não tem potência suficiente para puxar o crescimento.
O Banco Central tem indicado que um dos principais motivos para a cautela na redução dos juros é a persistência de uma elevada inflação de serviços. É preciso avaliar, no entanto, se a rápida redução da inflação de serviços exclusivamente via política monetária é a melhor forma de tratar deste problema.
A inflação de serviços tem um componente inercial muito forte, resultante da cultura de indexação ainda persistente no país, mas também da legislação trabalhista, que induz a adoção da inflação passada como referência para as negociações salariais e dificulta reajustes inferiores, mesmo em momentos de crise. Esta rigidez se manifesta de forma mais forte no setor de serviços, no qual os salários são uma parcela mais importante do custo que nos demais setores.
Reverter em pouco tempo uma inflação essencialmente inercial via política monetária e contenção da demanda pode ser muito custoso. Pode até ser que o Banco Central esteja correto em sua estratégia de rápida desaceleração da inflação – que tem como objetivo a convergência da inflação para 4,5% já em 2017 –, mas para mim não está claro que a relação custo/benefício desta política é melhor que a de uma política mais gradualista e, principalmente, que conte com o apoio de outros instrumentos. O que está claro é que a ação do Banco Central deveria ser apoiada por uma ação de governo mais incisiva voltada para a redução do grau de indexação da economia e para a redução da rigidez nas negociações trabalhistas.
O atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, é um dos economistas mais qualificados que conheço. Pode ser que daqui a alguns meses chegue à conclusão de que a atual estratégia do BC foi perfeita, mas hoje não estou convencido.