Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, 21 de fevereiro de 2017
Em 2016, o Regime Geral de Previdência Social do Brasil (RGPS) teve um déficit de R$ 149 bilhões (pouco mais de 2% do PIB). Apesar destes números, algumas entidades e analistas têm argumentado que a situação não é tão preocupante, pois a seguridade social (que, além da previdência considera as receitas e despesas vinculadas às ações de saúde e assistência social) teria um superávit, e não um déficit. Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), em 2015 a seguridade social teria registrado um superávit de R$ 11 bilhões. Neste contexto, não se justificaria uma reforma previdenciária dura, como a que o governo está propondo.
Este argumento está incorreto por diversos motivos. Em primeiro lugar, o próprio cálculo da ANFIP é questionável. De acordo com o jornalista Ribamar Oliveira, em artigo publicado no jornal Valor Econômico em 16 de fevereiro, em 2016 a seguridade social teria registrado um déficit de entre R$ 106 bilhões e R$ 257 bilhões, dependendo das hipóteses consideradas.
Em segundo lugar, o próprio conceito de um orçamento da seguridade desvinculado do restante do orçamento federal é estranho, ainda que previsto na Constituição Federal. Embora faça sentido tratar as receitas e despesas da previdência social separadamente do resto do orçamento – pois em princípio há uma vinculação entre as contribuições para a previdência e os benefícios financiados por estas contribuições –, isso não se aplica para a saúde e a assistência social. Por que o orçamento da saúde e da assistência precisa ser separado do restante do orçamento? Qual a razão para que estas duas áreas (junto com a previdência) tenham receitas próprias que não podem ser utilizadas para financiar outras políticas públicas como educação ou segurança pública? Ainda que a seguridade social fosse superavitária (o que não parece ser o caso), isso apenas significaria que sobraria dinheiro em um bolso e faltaria no outro.
Por fim, e este é o ponto principal deste artigo, analisar a previdência social com base no déficit ou superávit corrente é um enorme erro. Para entender este ponto, imagine-se uma situação hipotética em que um novo regime de previdência é criado. Por este regime, as pessoas com 45 anos ou menos contribuiriam com 10% do salário e poderiam se aposentar aos cinquenta anos de idade, após apenas cinco anos de contribuição, com uma aposentadoria equivalente ao dobro do salário.
Qualquer um percebe que esse sistema é insustentável. No entanto, nos primeiros cinco anos o sistema seria fortemente superavitário (pois ainda não haveria aposentados). Mesmo no sexto ano, as contribuições seriam maiores que os benefícios da primeira leva de aposentados. Ou seja, o resultado corrente do sistema é um péssimo indicador de sua sustentabilidade.
Essa é exatamente a situação do Brasil. Nossa população ainda é muito jovem e número de aposentados relativamente pequeno. Um país com este perfil deveria ter despesas previdenciárias baixas e um forte superávit na previdência. No entanto, por conta de regras muito generosas na concessão dos benefícios, o Brasil despende hoje cerca de 12% do PIB com benefícios previdenciários (8% do PIB relativos ao RGPS e 4% do PIB aos servidores públicos), enquanto que países com perfil etário semelhante despendem, em média, 4% do PIB.
O pior é que a população brasileira está envelhecendo rapidamente. Se nada for feito, até 2060 os gastos do RGPS saltarão de 8% do PIB para 17% do PIB. É óbvio que o sistema previdenciário brasileiro está desequilibrado e que é preciso mudar as regras de concessão de benefícios se não queremos ter uma carga tributária 9 pontos percentuais do PIB mais alta em 40 anos.