Bernard Appy,
Publicado no jornal Estado de São Paulo, publicado no dia 18 de abril de 2017
Boa parte do debate sobre a reforma da previdência tem se concentrado em seus impactos fiscais. Segundo as projeções do governo, se as atuais regras previdenciárias não forem alteradas, as despesas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS – regime para os trabalhadores do setor privado) que em 2016 foram de 8,1% do PIB saltarão para 17,2% do PIB em 2060. De modo semelhante, as aposentadorias dos regimes próprios de previdência (RPPS) dos estados e municípios também tendem a crescer muito nos próximos anos, agravando a situação de crise fiscal de vários entes subnacionais.
Esta trajetória de expansão das despesas previdenciárias não apenas exigiria um forte aumento da carga tributária, como teria um impacto muito negativo sobre as taxas de juros e o potencial de crescimento do país nos próximos anos.
A necessidade de ajustar as contas fiscais já é um motivo mais que suficiente para justificar a reforma da previdência. Mas será que a reforma se justifica socialmente? Será que corrige ou agrava distorções?
Uma resposta completa a estas questões foge do escopo deste texto, mas alguns itens da proposta de reforma atualmente em discussão podem ser analisados. A análise iniciada neste artigo será completada no próximo, daqui a duas semanas.
Exigência de idade mínima
O atual modelo previdenciário permite a aposentadoria por tempo de contribuição (ATC) em idades muito baixas – em alguns casos até menos de 50 anos. Trata-se de uma característica difícil de justificar em um regime público de previdência, que é financiado por toda a sociedade. A função da previdência é repor a renda das pessoas que perdem a capacidade de trabalho, o que não é o caso daquelas que se aposentam precocemente. Além do mais, geralmente são os trabalhadores de maior renda que conseguem se aposentar mais cedo, pois os mais pobres têm dificuldade em manter empregos formais por longo tempo e se aposentar por tempo de contribuição.
Neste contexto, a proposta de extinguir a ATC e exigir uma idade mínima para a aposentadoria não apenas é justificável, como também é socialmente justa, pois a maioria dos trabalhadores mais pobres já se aposenta hoje por idade.
Convergência entre RGPS e RPPS
Os regimes de previdência dos servidores públicos (RPPS) são mais generosos que o do setor privado (RGPS), permitindo aposentadorias integrais, não limitadas ao teto do RGPS (atualmente de R$ 5.531,31) e reajustadas sempre que os salários dos servidores ativos são elevados (paridade). Esta é uma característica difícil de justificar socialmente, pois, no geral, os salários dos servidores públicos são mais elevados que os dos trabalhadores privados.
A proposta de reforma propõe que as regras do RPPS e do RGPS convirjam ao longo do tempo. A convergência é mais rápida para os critérios de acesso (idade e tempo de contribuição mínimos) e mais lenta para o valor dos benefícios (o que ocorrerá apenas para os servidores que ingressarem no serviço público após a criação de um fundo de previdência complementar, que já existe na União e em alguns estados e municípios e será criado nos demais em dois anos).
Do ponto de vista da justiça social trata-se de uma mudança plenamente justificável. Se uma crítica pode ser feita é que a proposta poderia ter ido além, ao propor o fim da paridade para o RPPS e um ritmo de convergência mais rápido entre os dois regimes.
Esses dois exemplos mostram que a proposta de reforma da previdência, além de essencial para o ajuste macroeconômico, tem características positivas do ponto de vista da justiça distributiva. Outras mudanças são mais controversas, mas, de meu ponto de vista, não comprometem o efeito positivo da proposta como um todo. Mas esse é um tema para o próximo artigo.