Bernard Appy
Publicado no jornal Estado de São Paulo, no dia 2 de maio de 2017
Este artigo complementa outro publicado há duas semanas. O objetivo é mostrar que, além de essencial para o equilíbrio fiscal, várias das características da reforma da previdência são socialmente justificáveis e apontam no sentido correto, ainda que o desenho proposto não seja o ideal.
Equiparação entre homens e mulheres
Três argumentos são utilizados para justificar a diferenciação na idade de aposentadoria entre homens e mulheres: a) a tripla jornada das mulheres, que além de trabalhar cuidam da casa e dos filhos; b) a menor remuneração das mulheres no mercado de trabalho; e c) o fato de que as mulheres deixam de trabalhar para cuidar dos filhos pequenos.
Na realidade, nenhum destes argumentos justifica a diferenciação. Se a tripla jornada de trabalho comprometesse a saúde das mulheres mais que a dos homens justificar-se-ia a redução na idade de aposentadoria. No entanto, o que ocorre é exatamente o inverso, pois a expectativa de vida das mulheres é bem superior à dos homens. De modo semelhante, a menor remuneração das mulheres no mercado de trabalho tampouco é motivo para uma aposentadoria precoce.
Uma distribuição mais equitativa das tarefas domésticas e a equiparação da remuneração do trabalho de homens e mulheres são necessárias e desejáveis, mas não deveriam ser compensadas por uma menor idade de aposentadoria.
A única característica que justificaria um tratamento previdenciário diferenciado é o afastamento do trabalho para cuidar dos filhos pequenos. Neste caso, no entanto, o racional seria contabilizar um tempo de contribuição fictício e não reduzir a idade de aposentadoria.
Neste contexto, a redução da diferença na idade de aposentadoria entre homens e mulheres (de 5 para 3 anos pela proposta do relator) aponta no sentido correto, ainda que o ideal fosse unificar as idades e conceder alguma compensação pelo tempo dedicado ao cuidado dos filhos pequenos.
Igualdade entre benefícios previdenciários e assistenciais
Outra característica do atual modelo que é difícil de justificar é a concessão de benefícios assistenciais tão generosos quanto os benefícios previdenciários. No Brasil, um trabalhador que tenha contribuído por 30 anos para a previdência sobre um salário mínimo e se aposente por idade e uma pessoa de baixa renda que nunca tenha contribuído irão receber um benefício de um salário mínimo a partir dos 65 anos.
Esta equiparação entre o piso do benefício previdenciário e o benefício assistencial é pouco justificável, pois não recompensa nem estimula a formalização.
A proposta de reforma torna mais duras as condições para a percepção do benefício assistencial, que, pelo parecer do relator, só será concedido aos 68 anos. Esta mudança resolve um problema, mas ao mesmo tempo acaba tornando as condições de acesso ao benefício mais difícil para os trabalhadores de menor renda, que têm dificuldade em permanecer no mercado de trabalho formal por longos períodos e acumular 25 anos de contribuição.
Pessoalmente prefiro outro modelo, que ao invés de penalizar os trabalhadores que não conseguem atingir os 25 anos de contribuição beneficiasse aqueles que contribuem. Este modelo pressupõe a existência de uma renda básica não contributiva para todos os idosos, cujo valor seria desvinculado do salário mínimo, ainda que inicialmente pudesse equivaler ao salário mínimo.
Tal mudança exige, no entanto, uma grande alteração no padrão de financiamento da previdência, o que complicaria muito o desenho atual da reforma previdenciária. Neste contexto, entendo que a mudança que está sendo proposta é a possível para o momento, e ao menos introduz alguma diferenciação entre benefícios previdenciários e assistenciais. Mas também entendo que cabe retomar a discussão do tema após a aprovação da reforma.