Bernard Appy
Artigo publicado no jornal Estado de São Paulo, em 7 de fevereiro de 2017
Há um amplo consenso de que os tributos brasileiros sobre bens e serviços – ICMS, PIS/Cofins, IPI e ISS – são extremamente disfuncionais e prejudicam o crescimento da economia brasileira.
Isso ocorre por vários motivos. Por um lado, porque a legislação destes tributos é extremamente complexa, o que não apenas implica um alto custo de cumprimento da burocracia tributária, mas também resulta em um altíssimo grau de litígio entre as empresas e o fisco. Por outro lado, porque as distorções resultantes da incidência destes tributos levam a produção brasileira a se organizar de forma ineficiente, reduzindo de forma relevante a produtividade do país. Ou seja, o Brasil poderia produzir mais bens e serviços do que produz se nosso sistema tributário não fosse tão ruim.
Também há um quase-consenso de que a melhor forma de corrigir tais distorções é fazendo com que as características desses tributos se aproximem do padrão internacional de tributação de bens e serviços, que é o imposto não-cumulativo sobre o valor agregado (IVA).
Há menos consenso, no entanto, sobre qual a melhor forma de fazer esta transição. Alguns analistas entendem que o ideal é fazer a mudança de forma “fatiada”, alterando aos poucos as características dos tributos existentes, através, por exemplo, de uma reforma do PIS/Cofins, seguida de medidas para acabar com a guerra fiscal do ICMS, e assim por diante.
Para outros analistas, inclusive eu, o melhor é fazer uma reforma mais ampla, na qual os quatro tributos sobre bens e serviços sejam progressivamente substituídos por um único imposto com as características de um bom IVA. O motivo é basicamente a relação custo/benefício das duas opções. Mudanças pontuais no sistema tributário (como a reforma do PIS/Cofins) são positivas, mas resolvem uma parcela pequena dos problemas, a um custo político que pode ser elevado. A título de exemplo, o setor de serviços fechou posição contra a proposta de reforma do PIS/Cofins, cujas linhas gerais foram anunciadas pela Receita Federal há pouco mais de um ano.
Por outro lado, uma reforma ampla pode ser politicamente mais complexa (porque exige uma emenda constitucional), mas tem benefícios muito maiores. Se for bem estruturada, resolve todos os problemas dos tributos brasileiros sobre bens e serviços, e abre espaço para um crescimento relevante da produtividade do país. Embora não seja possível fazer um cálculo preciso deste impacto, é razoável supor que uma boa reforma tributária pode levar a um aumento de 10% ou mais do PIB potencial (e da renda real de cada brasileiro) em um prazo entre dez e vinte anos.
Há vários motivos pelos quais os benefícios de uma reforma tributária ampla são muito maiores que os de uma reforma “fatiada”. Por um lado, boa parte dos problemas do sistema atual resulta da fragmentação da base de incidência entre o ICMS, o ISS, o PIS/Cofins e o IPI. É impossível transitar para o modelo do IVA – que tem uma base de incidência ampla que alcança todos os bens e serviços – mantendo-se os quatro tributos atuais.
Por outro lado, o IVA é cobrado no destino, ao contrário do ICMS, que nas transações interestaduais é cobrado dominantemente no estado de origem. No entanto, a transição da cobrança do ICMS para o destino (via redução das alíquotas interestaduais) é politicamente muito difícil e tende a gerar uma série de consequências indesejáveis, como o aumento da carga tributária e o acúmulo de créditos tributários pelas empresas.
Ou seja, uma reforma tributária ampla tem um impacto muito mais positivo sobre a economia que um conjunto de reformas parciais. E seu custo político talvez seja até menor que o custo total de uma sequência de reformas “fatiadas”.