Uma agenda para aumentar a progressividade do sistema tributário sem gerar distorções
Por Bernard Appy
Este é o último de três artigos (publicados a cada duas semanas) que têm como objetivo discutir os impactos distributivos do sistema tributário brasileiro. O foco deste artigo é a apresentação de uma possível agenda de mudanças.
Antes de discutir propostas, é preciso deixar claro que o modelo de tributação de um país deve buscar atingir vários objetivos, às vezes conflitantes. O principal destes objetivos é arrecadar para financiar políticas públicas. De nada serve ter um sistema tributário que é perfeito no papel, mas abre importantes brechas de sonegação. Em segundo lugar, os tributos de um país devem gerar o mínimo de distorções econômicas que prejudicam o crescimento. Por fim, a tributação deve contribuir para melhorar a distribuição de renda do país.
O grande desafio na montagem de um sistema tributário é exatamente compatibilizar, da melhor forma possível, estes três objetivos. Propostas que consideram apenas parte destas questões geralmente resultam em uma estrutura ineficiente e disfuncional.
Feitos estes comentários iniciais, cabe apresentar aquela que considero a agenda relevante para aumentar a progressividade do sistema tributário brasileiro, sem gerar outras distorções.
Uma primeira medida seria o fim da isenção do imposto de renda da pessoa física dos rendimentos distribuídos por empresas do lucro presumido e do SIMPLES, que são pouco tributados na empresa e, ao que tudo indica, constituem a maior parte dos rendimentos isentos das pessoas mais ricas do país.
Para entender este ponto, vale comparar o montante de tributos pagos por um profissional que presta serviços no valor de R$ 30 mil por mês. Se este profissional for empregado de uma empresa, o montante de tributos pagos sobre os serviços prestados (pela empresa e pela pessoa física) será de R$ 14,9 mil e sua remuneração líquida será de R$ 15,1 mil. Já se ele for sócio de uma empresa do lucro presumido, os tributos pagos serão de apenas R$ 5,5 mil e sua remuneração líquida de R$ 24,5 mil. A diferença será ainda maior se este profissional for de uma categoria enquadrada nas tabelas favorecidas do Simples.
Trata-se de um modelo que penaliza o emprego formal e permite uma baixíssima tributação dos rendimentos do trabalho de pessoas ricas. A tributação da renda do capital também precisa ser repensada no Brasil, mas é preciso tomar cuidado para não tributar em excesso a renda do capital em um país com baixa taxa de poupança (este foi o tema de meu último artigo).
Outra medida muito positiva seria o aumento das alíquotas do imposto sobre heranças e doações, que no Brasil são extremamente baixas, sendo de 4% no Estado de São Paulo e não mais que 8% no resto do país. Economicamente faz sentido elevar estas alíquotas para grandes heranças. É verdade que alíquotas muito elevadas estimulam formas de planejamento tributário internacional para reduzir o pagamento do imposto, mas ainda assim acredito que seria possível ter alíquotas mais altas no Brasil.
Para finalizar, cabe deixar claro que é desejável e necessário aumentar a progressividade do sistema tributário brasileiro, desde que isso não gere outras distorções que prejudiquem a arrecadação e o crescimento. Também é necessário deixar claro, contudo, que o gasto público é muito mais eficiente que a tributação como instrumento de melhoria da distribuição de renda.
Infelizmente o gasto público no Brasil também é concentrador de renda, como mostra o texto de Marcelo Medeiros e Pedro Souza, “Gasto público, tributos e desigualdade de renda no Brasil”. Ou seja, se a agenda de progressividade do sistema tributário é importante, ainda mais importante é a agenda de progressividade do gasto público em nosso país.
Artigo publicado no Estadão em 10/01/2017.